Ponte aérea 40% mais cara faz passageiro trocar avião pelo ônibus em viagens entre Rio e São Paulo


Levantamento do g1 aponta que voos entre Congonhas (SP) e Santos Dumont (Rio), assim como no trecho contrário, tiveram queda de 27% no movimento em 2022, em relação ao período pré-pandemia (2019). Já os ônibus intermunicipais que interligam as duas capitais registraram 27% mais passageiros no mesmo período.

 

Acostumado a levar cerca de uma hora na ponte aérea entre o Rio de Janeiro e São Paulo, o estudante João Vitor Câmara, de 25 anos, resolveu em 2021 — pela primeira vez — encarar seis horas de ônibus no mesmo trajeto. A mudança de hábitos se deu depois que o preço da passagem começou a pesar mais no bolso.

 

Levantamento feito com base em dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aponta que os preços das passagens entre os aeroportos de Santos Dumont (Rio) e Congonhas (SP), assim como o do trecho inverso, são os maiores desde 2012.

 


O bilhete médio entre Santos Dumont e Congonhas aumentou 40% de 2019, o último ano antes da pandemia, para 2022: de R$ 405 para R$ 569. No trecho inverso, entre o aeroporto paulistano e o do Rio, o valor subiu 37% no mesmo período: de R$ 403 para R$ 553.

A ponte aérea Congonhas-Santos Dumont-Congonhas é a rota mais movimentada do Brasil em número de passageiros.

 

 

A tarifa continua alta em 2023 entre São Paulo e Rio e vice-versa. O preço médio mensal de fevereiro de 2023 (R$ 446 e R$ 428), por exemplo, é o maior desde 2016. Janeiro, por sua vez, teve o maior valor mensal médio (R$ 490 e R$ 476) desde 2014.

 

Especialistas apontam o dólar e o querosene de aviação como principais vilões no encarecimento das passagens aéreas. A moeda continua em índices elevados, com cotação atual pouco abaixo dos R$ 5. Já o valor atual do combustível, R$ 5,27 por litro, só não é maior que o registrado em alguns períodos de 2022 (leia mais abaixo).

 

 

Dados da Anac e da Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) apontam que João Vitor não foi o único a trocar o aeroporto pela rodoviária.

 

Enquanto os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont ainda tentam retomar a movimentação de antes da pandemia na ponte aérea, empresas que operam as viagens de ônibus interestaduais entre as duas capitais tiveram aumento de 27% no movimento.

 

Dois milhões de passageiros fizeram os trechos Rio-SP e SP-Rio em 2022, contra 1,6 milhão no ano de 2019. O crescimento no trajeto destoa da tendência nacional no setor rodoviário, que registrou 7% menos passageiros em 2022 (37,8 milhões) na comparação com 2019 (40,7 milhões).

 

Já a movimentação nos voos entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont foi de 2,9 milhões de passageiros em 2022, valor 27% mais baixo que os 4 milhões de 2019.

 

Há ainda a vantagem da flexibilidade: uma passagem de ônibus entre São Paulo e Rio (e vice-versa) para o dia seguinte custa em torno de R$ 100. Um bilhete aéreo entre Congonhas e Santos Dumont (ou a rota inversa), comprado sem antecedência, chega a superar R$ 1.000.

 

Felipe Vieira, profissional de marketing digital, também migrou do avião para ônibus nas viagens tanto a trabalho quanto a lazer.

 

 

Porta-voz da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), Letícia Pineschi aponta que a migração não veio apenas do setor aéreo, mas também do transporte de carros de passeio.

 

“Tem essa migração dos modais, que não é só do aéreo, mas também dos carros particulares. Hoje um carro popular custa R$ 90 mil, além do custo de gasolina, pedágio”, diz.

 

Segundo ela, o maior investimento das empresas em conforto também é um fator que ajuda a atrair mais passageiros.

 

 

A estudante Beatriz Sá é uma das que veem vantagem no conforto dos ônibus.

“Pra levar bagagem no avião é muito mais caro. E o ônibus é mais confortável, considerando que o avião quase não tem mais serviço nenhum. Você sai com fome, irritado. Pelo preço, tem compensado muito mais o ônibus. Fora que quando você tem que remarcar a passagem ou quando compra em cima da hora é muito mais flexível”, diz.

 

Já a figurinista Alexandra Malschitzky, que geralmente escolhe as poltronas mais reclináveis para viajar de ônibus, afirma que o conforto não é suficiente para compensar a diferença no tempo do percurso.

O economista Marcus Quintella, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e diretor da FGV Transportes, diz que a migração de passageiros de avião para o ônibus no trecho entre São Paulo e Rio se deve a um cenário de economia enfraquecida, melhora da qualidade rodoviária e maior conforto dos veículos.

 

Ele avalia que a queda do transporte aéreo, reflexo da economia, será revertida com o tempo:

O que dizem as empresas aéreas

Questionamos a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) sobre a queda no número de passageiros entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont, assim como no trecho inverso. Entre outras, a entidade reúne Azul, Gol e Latam, as empresas que operam voos entre os dois aeroportos da capital paulista e fluminense e são responsáveis por mais de 99% do mercado doméstico nacional.

 

A Abear não respondeu especificamente sobre a ponte aérea. A associação afirma que o câmbio representa 60% dos custos de uma companhia aérea. “A relação de moeda mostra que o valor do dólar no início de 2014 era praticamente a metade do valor que temos hoje”, diz, em nota.

 

Outro fator que pesa na tarifa é o valor do querosene de avião, que atingiu recordes consecutivos nos últimos anos, segundo dados da Anac — o monitoramento vai até janeiro de 2013.

 

Segundo a Abear, o preço do querosene de avião, que responde por cerca de 40% dos custos, foi “agravado pela pandemia e, no último ano, pela guerra na Ucrânia, comprometendo todo o mercado internacional de óleo e gás, pressionando os custos de refino do petróleo. Apenas de 2019 para 2022 o custo do combustível subiu 121%.”

 

A Abear disse ainda que considera positivas as recentes medidas anunciadas para redução do preço do combustível e a desoneração de impostos sobre o setor, mas defende que é necessário revisar a forma como é cobrado o combustível usado nos aviões.

 

“O combustível brasileiro segue precificado como se viesse do exterior, sendo que mais de 90% desse insumo é produzido no país. O QAV disparou nos últimos três anos e isto impacta custos estruturais e preços de bilhetes”, afirma.

 

 

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